Por Elisa Ferreira*

O mundo do trabalho realiza algumas imposições, algumas possíveis, outras corruptíveis em vários níveis. Ao convidar uma trabalhadora ou trabalhador a vestir a camisa, a instituição solicita concomitantemente que esse trabalhador revisite e reveja seu modo de ser, seu jeito de viver e muitas vezes seu lugar no mundo. O trabalhador é “convidado” a incorporar os valores institucionais em detrimento de suas necessidades próprias, o “aceite” desse convite tem um custo alto, que na maioria das vezes se aloja na possibilidade de ter a sua identidade corrompida.

A identidade é o que nos caracteriza diante de nós mesmos e diante do mundo, é o que nos faz ser quem somos, é o que expressa o sentido de nossa existência e como nossos aspectos subjetivos interagem com o mundo. A identidade é um elemento chave da realidade subjetiva e se encontra em relação dialética com contexto de inserção do sujeito.

O trabalho nos forja em vários aspectos, é constituinte identitário e também é constituído a partir de nosso fazer. Se construir profissionalmente presume um percurso, um investimento, uma história. Colocar esse investimento no trabalho é colocar, todos os dias, na atividade que se realiza, um pouco de si. O que os contextos organizacionais têm proposto e, muitas vezes imposto, é justamente a supressão da dimensão subjetiva do sujeito. Nesse processo, a incorporação e a realização das necessidades institucionais acaba por acontecer sem reflexão das lógicas operantes e a que interesses realmente atendem. Aqui entre nós: comumente atendem estratégias e ferramentas que garantam e aumentem a  produtividade. No INSS, a prática não é diferente e se apresenta quando do desvio de função das assistentes sociais e dos analistas e técnicos de seguridade. No primeiro caso, essas profissionais construíram um saber e são donas de um olhar singular, próprio e inclusivo. Percebem o mundo e suas necessidades na perspectiva de coletivos, de garantia e preservação de direitos, um olhar pautado na ética. Essas trabalhadoras estão sendo “convidadas” a ocupar lugares operacionais dentro da instituição como medida contingencial em decorrência de dimensionamento deficitário de trabalhadores no serviço público federal, um ônus que não lhes pertence. Esse “convite” se configura em uma tentativa clara de corromper uma identidade alicerçada em necessidades, sonhos e fazeres muito mais amplos e complexos do que o lugar onde estão sendo “convidadas” a ocupar, subjetivando e reduzindo a amplitude de seu fazer. O impacto dessa atitude distorcida pode sim se configurar em ônus à saúde mental, recaindo em forma de sofrimento e estranhamento de si e de seu fazer diante do trabalho. Ato que configura violência psicológica e possível dano psíquico. Esse tema precisa ser tratado em sua complexidade e com toda seriedade que merece para o bem da saúde mental dos trabalhadores do INSS.

 

*Psicóloga Clinica e do trabalho (This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.)

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