Por Edilma Guimarães Rosa

Imagem da capa do livro ADEMIR ROSA Paixão pela arte, paixão pela vida, organizado por Pedro Uczai

Ademir Rosa entrou no Sindprevs/SC na década de 80, já na fase final da Ditadura Militar, um momento de crise econômica e política, muita tensão popular e insegurança no país. Quem se manifestava politicamente era preso ou perseguido. Os sindicatos tinham sido tolhidos e serviam mais como um espaço recreativo e de assistência.

Quando a maioria da população não aguentou mais tanta repressão, começaram a aumentar as revoltas populares. Muitos shows com artistas pediam democracia e liberdade de expressão. Na mesma época, foi revogado o Ato Institucional no 5, era o fim da censura política e era necessário voltar a fortalecer os sindicatos como entidades representativas e de defesa dos direitos dos trabalhadores.

No Sindicato, no teatro, na Pastoral e no Partido

Ademir era sociólogo, concursado do INSS à disposição do CRP- Centro de Reabilitação Profissional e, como os demais servidores, começou a discutir os problemas nos locais de trabalho e a participar mais das manifestações e greves. Naquela época, o Sindicato não tinha muitos funcionários e diretores para fazer reuniões, divulgar as propostas e reivindicações em todo o estado. Então além de trabalhar no CRP e no Sindicato, Ademir era ator, participava da Pastoral da Terra e ajudava na fundação do Partido dos Trabalhadores.

Ele se indignava com a total indisposição dos empresários em oferecer vagas para relocar pessoas com deficiências provocadas por acidentes de trabalho. Ademir visitava empresas na capital e no interior do estado para levantar vagas para recolocação no trabalho. O desemprego era grande e os empresários respondiam que não tinham vagas nem para trabalhadores considerados “normais”, muito menos para deficientes. Numa época em que os acidentes de trabalho aumentavam, era quase impossível realizar o seu trabalho. Só depois foi criada a lei que obriga as empresas a contratarem e readaptarem os trabalhadores após acidente de trabalho.

O teatro da vida e da luta

Insatisfeito com as condições de trabalho e a situação salarial, Ademir encontrou no teatro a possibilidade de conscientizar enquanto divertia os trabalhadores. Foram muitas apresentações nos locais de trabalho e nas manifestações públicas. Durante as greves, o ator entusiasmado encenava com os colegas a dinâmica de trabalho e os problemas do CRP. Ele foi muito atuante no teatro de rua, com textos que abordavam o cotidiano e a família. Ali vinham à tona todos os problemas sociais, econômicos e políticos que o trabalhador sofria. Era a obra de Augusto Boal e seu Teatro do Oprimido sendo aplicados por onde Ademir passasse.

A atuação no Departamento de Cultura e Esportes do Sindprevs/SC foi um momento de muitas lutas, conquistas e descontração. Ademir ficou muito feliz quando divulgou a ideia do colega sindicalista, o Luciano, que incentivou os trabalhadores a frequentarem mais o cinema graças ao desconto no ingresso, chamado Bônus Cinema de Artes do CIC, que era oferecido pelo Sindprevs/SC. Nesse Departamento, ele tinha contato com todas as suas paixões e, por ordem cronológica, o futebol foi a primeira. Seu nome foi uma homenagem do pai, Eloi Rosa, motorista do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), do SUS (Sistema Único de Saúde), ao jogador Ademir de Menezes, famoso no Vasco nos anos 40. Eloi incentivou muito o futebol de rua com os filhos e vizinhos do bairro do Estreito.

Ademir também se realizou ajudando na organização da programação da Colônia de Férias, além de jogar e atuar nos eventos, levou grupos de teatro infantil e Boi de Mamão para o Camping de Pontas das Canas, com apoio do sindicato.

O fantasma da repressão

Vivíamos numa época tensa, pós Ditadura Militar, e o fantasma da repressão militar continuava presente. Ainda havia desconfiança de perseguição e poucas pessoas tinham coragem e ousavam falar em política abertamente. 

Em 1978, fui cursar Ciências Sociais na UFSC, e muitos colegas do Ademir foram meus professores de Política e Sociologia. Tive a tranquilidade de estudar que o Ademir não teve. Podíamos discutir abertamente a teoria de Karl
Marx e andar com os livros dele à vista de todo mundo. Ele me dizia que, na sua época, alguns anos antes e em plena Ditadura Militar, isso era proibido. Eu ria e dizia que não sentia medo, que aqueles tempos não iriam voltar.

Na universidade, até desconfiávamos que algum aluno poderia ser agente militar.  Mas a coragem de professores e alunos foi vencendo o medo de perseguição. Quando Ademir foi convidado à substituir uma professora de Sociologia, viu que já podia se expressar como cidadão, como professor e como trabalhador. Hoje, vejo a importância de não termos medo e avançar nas lutas dos movimentos sindicais e populares.

Conhecimento e alegria nas pequenas coisas

Não éramos felizes tomando consciência das desigualdades no mundo do trabalho e dos que viviam em condições de miséria em nosso país. Ademir nunca desistiu de resistir e lutar pelos direitos dos trabalhadores. Como muita gente, procuramos por conhecimento e alegrias nas pequenas coisas da vida e uma delas era as boas amizades, nossos amigos de luta principalmente.

Ademir acordava representando algum dos seus personagens, engraçado e bem humorado. Mas sempre cumpridor de seus deveres e muito exigente com as responsabilidades, era uma personalidade muito coerente e exigente. Por isso ele se frustrava muito no trabalho, principalmente, porque tudo era difícil de realizar e às vezes ele não tinha tanta paciência e tolerância. Acho que foi isso que o fez começar a adoecer. A vida é feita de desafios e lutas para melhorar a nossa vida e a dos nossos irmãos. Isto vem desde Cristo. Só que para permanecer nas lutas necessitamos de boa saúde, nos aspectos físico e emocional, caso contrário não teremos  força necessária. Só  quando ele adoeceu, paramos para refletir sobre a vida.

Lutando até o fim

Sua formação acadêmica não lhe permitia pensar diferente: ele não concordava com o sistema capitalista. Com certeza, em tudo que fazia ou trabalhava estava implícito o seu sonho e de milhares de pessoas de construir uma sociedade socialista. No final da vida, ele estava descobrindo outra paixão: escrever textos para teatro e Cinema. Com certeza, hoje, ele estaria no meio artístico, engajado nas lutas políticas e sociais.

No final de sua vida, nós dois trabalhávamos com coisas tristes: ele lutando no CRP atrás de emprego para os deficientes físicos, ignorados pelos governantes, e eu num Hospital Público, onde faltava quase tudo.

Com a doença, em 1995, ele preferia fazer só teatro. Ou seja, ele tinha facilidade de sair dos personagens, mas muita dificuldade de se desprender dos problemas de seus semelhantes. Mesmo sem qualquer expectativa da  situação econômica e política melhorar, Ademir continuou lutando, participando do sindicato e da política, mesmo bem doente, até perder as esperanças de cura. 

Ademir faz falta

Para quem conheceu o Ademir, tanto como esposo quanto como companheiro de lutas, ele faz muita falta. Eu fui feliz em encontrá-lo, em casar e conviver com ele. Ademir foi sempre o mesmo, com seu jeito humilde e revoltado. Aprendi muito com suas aulas de sociologia e de teatro.

Eu não entendia porque meu vizinho, em Maceió, do PCdoB, e outros políticos e jornalistas eram presos, torturados e mortos. Desisti de fazer Medicina, fui para as Ciências Sociais para entender a situação política, econômica e cultural. Hoje, a situação política é idêntica a da época anterior a que conheci o Ademir, do golpe de 1964. Podemos quase afirmar que estamos vivendo outro golpe político e econômico.

Na sua visão de mundo, Ademir sempre defendeu a Democracia e uma sociedade mais justa e igualitária. Sem discutir valores morais e éticos, o que é certo ou errado, pois nos golpes políticos, ganha quem tem mais poder político e econômico. Ele, ator que tinha grande admiração por Brecht, jamais estaria a favor desta farsa política que estamos vivendo. Estaria ao lado dos oprimidos, lutando para manter o que foi conquistado pelos trabalhadores e pelos sindicatos.

:: Esse conteúdo faz parte da edição comemorativa da Revista Previsão - Especial 30 anos ::