Por Miriam Santini de Abreu

Muito antes da chegada do coronavírus, um paciente institucional sufocava com a falta de investimento público: o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Agora, em meio à pandemia, situações já graves irão piorar. O drama vivido por milhares de segurados acentua-se porque não conseguem encontrar um ser humano para atendê-los atrás de uma mesa. O acesso ao Instituto exige o uso da internet e de um sistema que o governo federal adotou em 2016 prometendo resolver todos os problemas: o INSS Digital, que no site do Instituto aparece como Meu INSS.

Os pedidos de consultas e benefícios são feitos por computador e celular. Quem usa deve ter habilidade para fazer login, preencher formulário e até mesmo carregar documentos em PDF. Se não sabe, precisa pedir a alguém ou pagar intermediários para entrar no sistema. Cerca de 90% dos atendimentos é digital, e os servidores foram remanejados para a análise dos milhares de documentos postados na “nuvem virtual”. Desde que foi implantado, o Meu INSS virou uma bomba-relógio de efeito retardado, explodindo agora na pilha invisível de processos parados.

Convocação de militares

Folha da Cidade entrou em contato com a Superintendência Regional Sul do INSS/SC para agendar entrevista, mas foi solicitado o envio das perguntas por e-mail. A resposta foi que os dados mais recentes disponibilizados pela Direção Central do INSS eram de 16 de janeiro de 2020. Naquela data, havia em Santa Catarina 61.710 processos pendentes de conclusão há mais de 45 dias. Deste montante, 41.159 eram aposentadorias por tempo de contribuição e 8.321 aposentadorias por idade. A Superintendência informou que não dispunha dos dados do município de Florianópolis.

Outra pergunta referiu-se ao déficit de servidores no estado e, especificamente, na Capital, porque não há concurso desde 2015. A resposta foi que não dispunham dos dados: “O que podemos informar é que o Governo Federal anunciou medidas para o incremento do quadro, entre as quais a contratação de servidores aposentados do INSS para atuar na concessão e a convocação de militares da reserva [7 mil, segundo anúncio do governo] para atuar no atendimento”. A medida foi duramente criticada por implicar gastos e não resolver o problema, porque os militares não conhecem as rotinas ligadas ao trabalho dos servidores do Instituto.

O diretor do Departamento de Relações Intersindicais e Relações de Trabalho do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência de Santa Catarina (Sindprevs-SC), Luciano Véras, afirma que a digitalização foi imposta a partir da Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, que estabelece teto para as despesas primárias do Estado brasileiro até 2036. Como a Emenda não deixa contratar servidores, o atendimento presencial foi dando lugar ao “faça você mesmo” do INSS Digital.

Segundo Véras, é preciso contratar cerca de 20 mil servidores para melhor atender a população. Enquanto isso não acontece, a população mais vulnerável sofre: “Temos um represamento gigantesco de benefícios, mãe que o filho já fez até aniversário e ela não recebeu o salário maternidade, trabalhador em auxílio-doença que está há meses esperando que o Estado dê o que lhe é de direito e não tem dinheiro para colocar comida na mesa”. Fora isso, os caminhos se fecham para reclamações. Os servidores são proibidos de fazer atendimento presencial. Não dá mais para pegar senha e aguardar para tirar dúvidas. É preciso agendar pela internet.

Prédio interditado

Quem passa na Avenida Ivo Silveira vê mais um sintoma da asfixia do INSS. O prédio da Agência Continente, cercado por mato, fechou as portas em dezembro passado por risco de desabamento. A coordenadora geral do Sindprevs-SC, Vera Lúcia da Silva Santos, conta que, quando foi inaugurado, aquele era um prédios dos sonhos, onde todos os servidores queriam trabalhar. Agora, está ali apenas o Arquivo do Instituto, também em más condições. “É um descaso, é o sucateamento do INSS”, afirma Vera. Ela afirma que está em curso, com o esvaziamento do papel do Instituto, a última fase de desmonte da Seguridade Social brasileira. O sistema engloba a saúde, a previdência e a assistência social, e tem sido desarticulado com a falta de recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a aprovação da reforma da Previdência em 2019.

Quem procura atendimento na Agência Continente é orientado – por um vigilante terceirizado ou pelos cartazes na porta – a procurar outras agências. Passadas semanas da interdição, a busca por informações é praticamente diária. Numa sexta-feira de fevereiro, cinco pessoas estiveram ali em menos de uma hora. Uma mulher chegou com a filha de 19 anos para tentar saber o motivo pelo qual a moça, com problemas provocados por anoxia no cérebro (falta de oxigênio), não estava recebendo o Benefício de Prestação Continuada (BPC) há dois meses.

Trata-se de um salário mínimo mensal pago aos idosos e pessoas com deficiência que não podem prover o próprio sustento. Apressada, a mãe disse que tentou resolver por telefone, atualizou dados, mas não conseguiu receber o dinheiro, apesar de ter apresentado os documentos exigidos na lei. Somente naquela manhã soube que isso deveria ser feito de forma presencial, com a filha, mas não soubera do fechamento daquela agência. “A gente anda, faz tudo que mandam, mas não tem respeito”, desabafou. A Superintendência Regional Sul do INSS/SC informou que não há plano para a reabertura da unidade da Agência Continente.

Fonte: Folha da Cidade

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