O juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior esteve na UFSC, abrindo o Seminário “Direito e Resistência”, uma atividade do PET de Direito. Souto Maior também é professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Sua conferência tratou de um tema explosivo e bastante importante para os trabalhadores: as greves no contexto das Reformas Trabalhistas e Previdenciária. 

O juiz, que algumas revistas ligadas a direita nacional chamam de “Robin Hood de Jundiaí”, é conhecido por suas sentenças favoráveis aos trabalhadores, argumento que ele refuta, garantindo que todas as sentenças que dá estão amparadas nos fundamentos do próprio capitalismo: “se uma empresa deixa de pagar encargos trabalhistas, por exemplo, prejudica não apenas ao trabalhador, mas também às suas concorrentes”. Para ele o Direito tem de ser um instrumento da justiça social.  

Souto Maior contou que geralmente é convidado por trabalhadores ou movimentos sociais que estão em atividades de luta ou greve esperando que ele possa dizer: “Vocês podem fazer greve que o direito assegura”.  Mas, isso não é possível. Não há luta sem risco e muito menos numa sociedade na qual o direito é a expressão da classe dominante. O que os movimentos podem fazer é lutar para mudar o padrão do direito, e isso não é coisa fácil, afinal, a realidade aponta que tudo joga contra os movimentos grevistas ou contra as lutas dos trabalhadores. Tanto é assim que qualquer pessoa ao ser informada de que vai haver alguma greve já sente, lá no fundo, uma incomodação: “Puxa, vai parar. Vai me prejudicar”, assim pensa a maioria, um pensamento que é reforçado pela mídia comercial. Os meios jogam sempre contra a greve e contra os trabalhadores.

Assim, mesmo os juízes estão submetidos a esse bombardeio ideológico, além de ser parte da essência dessa sociedade a criminalização das lutas sociais. “Ainda vivemos e memória do sistema escravista. Está colado no nosso direito”. Por isso que a participação dos estudantes nesse debate sobre o papel das leis na vida dos trabalhadores é fundamental. Para mudar o padrão jurídico é necessário que os operadores do direito também entendam em qual sociedade estão metidos e tenham interesse em mudar. 

Souto Maior exemplificou como o direito de propriedade recebe muito mais atenção, inclusive na própria classe trabalhadora. “Se alguém rouba 200 reais numa empresa ou numa instituição, logo se chama a polícia, e ela vem e age. Prende suspeitos, investiga, até achar os 200 reais. É um trabalho eficaz e rápido. Agora se os trabalhadores ficam sem receber salário, por exemplo, não adianta chamar a polícia, porque ela não vem e para receber esse salário o trabalhador vai ter de penar, se receber. Ou seja, os direitos sociais parecem não importar”. 

É nesse contexto que ao trabalhador só resta a greve. E ainda assim, o movimento será demonizado e criminalizado. Tudo vai contra. Agora, com a nova Reforma Trabalhista as coisas ficarão ainda piores. “Isso que foi aprovado não é uma lei. É um massacre contra os trabalhadores, aprovado sem debate com a sociedade e nem mesmo os próprios deputados que votaram a favor sabem o que votaram. Essa reforma destrói o sindicato e destrói a classe trabalhadora”. 

Segundo o jurista a tal reforma coloca para os operadores do Direito um grande problema e muitas oportunidades. “A lei é confusa e remete a muitas possibilidades de interpretação. É uma espécie de vírus dentro da CLT. Gera um choque com outras legislações do Direito do Trabalho e inclusive a Constituição”. 

Souto Maior entende que é preciso lutar para mudar o Direito, fazer a crítica ao que está aí. Segundo ele não adiante ficar reproduzindo as ideias da classe dominante. Há que saber quem se é e onde se está. “Temos de ter claro a quem servimos, que tipo de sociedade é essa onde vivemos e revelar o sistema. Não dá para fugir disso. Nada de conforto para nós, vamos aos enfrentamentos necessários”, concluiu.

Depois, respondendo a perguntas da plateia o professor observou o quanto é trágico ver advogados ensinando a nova lei trabalhista, sobre como ela deve ser aplicada. “Isso não é lei. É uma agressão, é uma alteração no modo de ser social, cria outro modelo de sociedade. Um sociedade que quer destruir todas as instituições públicas, que quer voltar a seu estado de colônia. Não podemos compactuar com isso”.

Souto Maior entende que a classe trabalhadora precisa resistir a esse ataque, mas não apenas isso. “É necessário avançar. O que tínhamos antes dessa lei também era ruim, então resistir só não basta. Há que ir adiante”. Ele lembrou que para a maioria da população – insuflada pelos meios de comunicação – os direitos conquistados dos servidores públicos são vistos como privilégios. “Bom, não são privilégios, são direitos. Mas o que os servidores públicos tem feito quanto às demais lutas? Quantos se envolvem nas lutas sociais por moradia, terra, etc...? Há que criar uma solidariedade de classe”. 

Segundo o professor os governos petistas tampouco avançaram no debate sobre os direitos. Pelo contrário, o que a esquerda no poder fez foi produzir a sua ideologia. “Tem que fazer a autocrítica, mas parece que isso está muito difícil de acontecer”.

Sobre o futuro e as lutas dos trabalhadores ele acredita que a tendência é o recrudescimento por parte do capital. “A mídia sempre está muito atenta a qualquer vitória dos trabalhadores ou a qualquer mudança no espaço do direito mesmo. Lembram quando chamaram o STF de bolivariano? Foi quando alguns direitos avançaram, quando algumas greves foram consideradas legais. O capital não perdoa. E a chance é recrudescer. Eles vão tornar as greves ilegais, tirar o poder de luta dos trabalhadores, provocar demissões e dispensas em massa para gerar medo”.

E finalizou: “Do direito não vem nada. São os trabalhadores que têm de garantir a luta, na solidariedade de classe. Ou fazemos isso ou vamos dar uma pedalada histórica, para trás."

Fonte: Iela

Foto: Divulgação Iela

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