Carta Aberta da Auditoria Cidadã Da Dívida dirigida aos Governadores reunidos em Brasília Em 28.12.2015
A Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação sem fins lucrativos, que conta com o apoio e colaboração de importantes entidades da sociedade civil e cidadãos voluntários que lutam pelo cumprimento da Constituição Federal, no que diz respeito à realização da auditoria da dívida (art. 26 do ADCT da CF de 1988), tendo em vista que a dívida pública tem sido um dos principais empecilhos ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
Dirigimo-nos aos senhores governadores a fim de contribuir para o debate que realizarão em Brasília, em 28/12/2015.
Os Estados e Municípios brasileiros têm recebido repasses federais mitigados, decrescentes, tendo em vista o ajuste fiscal aplicado pelo governo federal, sacrificando todas as rubricas orçamentárias para que cada vez mais recursos se destinem ao pagamento da elevada dívida pública federal. Em 2014, enquanto os juros e amortizações da dívida federal consumiram 45,11% dos recursos federais, os 26 estados, Distrito Federal, e 5.570 municípios receberam 9,19%, como demonstrado no gráfico a seguir.
Orçamento Geral da União 2014 (Executado) Total = R$ 2,168 trilhão
Fonte: SIAFI Elaboração: AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA
Em 2015 a situação se agravou ainda mais e os gastos com a dívida devem atingir 50% do orçamento federal, devido ao aumento abusivo das taxas de juros e da prática de mecanismos financeiros que usurpam o instrumento do endividamento público, gerando dívida sem contrapartida alguma ao País. Como exemplo citamos duas operações realizadas pelo Banco Central: a de “swap cambial”, que de setembro/2014 a setembro/2015 gerou prejuízo de R$207 bilhões impactando o endividamento público federal; e as de “mercado aberto”, cujo volume já atinge quase R$1 trilhão e exige o pagamento de juros em moeda corrente, provocando a elevação dos juros de mercado e afetando negativamente a indústria e o comercio, com reflexo nas finanças públicas. A partir do momento em que a “dívida pública” é gerada dessa forma, passa a exigir o pagamento de juros e diversos encargos, que têm merecido completa prioridade sobre os demais gastos, diante da política econômica subserviente aos interesses financeiros que vem sendo adotada no País a décadas.
Assim, os estados e municípios, que anualmente recebem transferência inferior a 10% do orçamento geral da União, passam a receber ainda menos, porque o ajuste fiscal realizado para pagar encargos da dívida federal corta parcelas significativas dos recursos que seriam destinados aos entes federados.
O mais grave é que essa dívida federal nunca foi auditada, como determina a Constituição Federal, e a CPI da Dívida Pública realizada pela Câmara dos Deputados em 2009/2010 apontou graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades tanto da dívida externa como interna, federal, estaduais e municipais.
Relativamente à dívida estadual, os senhores governadores já calcularam quantas vezes já pagaram aquela dívida refinanciada pela União desde o final da década de 90? Conhecem a origem daquela dívida? Já verificaram a parcela da dívida assumida por seus respectivos Estados que na realidade era relativa a passivo de bancos estaduais, no esquema do PROES, completamente ilegítimo? Já verificaram a ilegalidade da aplicação mensal e cumulativa de índice de atualização calculado pelo IGP-DI da FGV, instituição privada? E aplicação de juros entre entes federados? Quantos investimentos deixaram de ser realizados porque os recursos foram absorvidos pelo pagamento de tal dívida ilegítima e inflada de forma ilegal? Quantos estados recorreram a endividamento externo para pagar a União? Essas são apenas algumas perguntas que gostaríamos que os senhores governadores respondessem às pessoas que não têm recebido os serviços essenciais de saúde, educação, segurança etc. a que têm direito.
Adicionalmente, manifestamos o nosso repúdio a arranjo que vem sendo implementado por diversos estados, por meio da criação de empresa independente, sociedade anônima, que passa a gerenciar ativos públicos e emitir debentures que, na prática, constituem obrigação de mesma natureza de dívida pública, já que conta com a garantia dos respectivos entes federados. Iniciamos os estudos sobre tais arranjos e iremos denunciar esse mecanismo inconstitucional que beneficia principalmente ao setor financeiro privado, disfarçando a geração de dívida pública e comprometendo seriamente as finanças públicas e a população, tanto a geração atual como as futuras.
Os senhores govenadores precisam dar uma resposta decente à população, que tem sofrido a subtração de direitos essenciais ao mesmo tempo em que enfrenta desemprego, queda salarial e aumento de tributos, enquanto assiste o crescimento dos bilionários lucros dos bancos bater novos recordes a cada trimestre. É evidente a transferência de recursos públicos de todas as esferas – federal, estaduais e municipais – para o setor financeiro privado nacional e internacional, por meio de mecanismos financeiros e arranjos espúrios que geram “dívida pública” e impedem que as imensas riquezas de nosso País, marcado pela abundância em todos os aspectos, possa garantir vida digna à população. Não há saída sem o enfrentamento do Sistema da Dívida. Exigimos providências.
Maria Lucia Fattorelli
Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida
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