O que não nos contaram sobre a diferença entre despenalização e legalização do aborto.
Por Débora Mabaires, de Buenos Aires, para Desacato.info.
Tradução: Tali Feld Gleiser, para Desacato.info. (Port/Esp).
Ontem, milhares de argentinas e argentinos foram para as ruas para exigir a aprovação da Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez, que estava sendo debatida no Senado.
Desde as 9:00 da manhã, os senadores se expressaram diante do povo argentino, sobre uma lei que já contava com meia sanção na Câmara dos Deputados.
Surpreendeu que nenhum dos oradores se referisse ao texto da lei que se pretendia debater. Após quatro meses de intensos debates, os argentinos, na sua maioria, desconhecem o texto que se queria aprovar.
A manipulação social realizada desde os meios de divulgação e as redes sociais politizou a sociedade argentina que, pela primeira vez na sua história, sem partidos políticos definidos que a representem, discutiam em âmbitos públicos e privados um projeto de lei, muitas vezes com preconceitos e lugares comuns.
Sem dúvida, é uma grande vitória do aparelho de propaganda que maneja o governo, porque lhe deu ar a um Mauricio Macri encurralado pela realidade econômica e social que está para estourar em qualquer momento.
Entre as muitas coisas que o governo fez nestes quatro meses de debate e que não tiveram a devida repercussão, estão ter permitido a instalação de uma base militar na província de Neuquén sobre a principal jazida de gás e petróleo não só do país, mas do mundo; entregar o mar Austral para que seja patrulhado pelos britânicos; aprovar a fusão da empresa de telefonia fixa e móvel, Telecom, com Cablevisión, uma empresa de tevê a cabo, ao poderoso grupo Clarín que agora controla 60% do mercado da comunicação e 90% do mercado da televisão do país; modificar leis por decreto, a mais grave: a que permite o uso das forças armadas na segurança interior; assinar convênios para que britânicos e israelenses tenham aceso a nossos telefones, computadores e processos judiciais; armar processos judiciais com os que mandou para a prisão empresários das mais importantes empresas argentinas, com o objetivo de que declarem sob o regime de “delação premiada” e assim perseguir opositores os acusando de corrupção.
A Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez não foi aprovada, por poucos votos de diferença.
No final da maratônica sessão, sugestivamente, o senador Esteban Bullrich, que tinha votado contra a lei, disse a um jornalista que talvez voltaria a ser tratada neste ano, quando se começasse, no Congresso, a discussão da modificação do Código Penal.
E nessas palavras poderiamos inferir que tem algo que não nos contaron.
Mauricio Macri foi quem propôs a lei, e até negociou sua aprovação pelos deputados. Mas sempre, publicamente, se manifestou contra ela e não tentou interferir na votação dos senadores. O núcleo duro dos votantes da aliança governante é maioritariamente conservador, classista e católico.
Por quê? Porque este projeto de lei propunha a legalização do aborto, o que obrigava o Estado a financiá-lo e garantir a atenção médica necessária a todas as mulheres do país.
Portanto, se o Código Penal for modificado, e a mulher, despenalizada por ter feito um aborto, deixa o coletivo feminista satisfeito porque já não seremos criminalizadas por abortar e, ao mesmo tempo, se garante o negócio para clínicas e hospitais privados e laboratórios.
A diferencia entre a legalização e a despenalização é crucial: com esta última só terão acesso ao aborto aquelas mulheres que tenham condições de pagar. Igual que agora, mas sem risco de serem presas.
Estar bem com deus e com o diabo trará benefícios na hora da campanha eleitoral, quando se adjudicará ter sido o conquistador dos direitos das mulheres, embora na prática Macri tenha sido o presidente que tirou mais direitos.
Nas ruas, a luta entre lenços verdes (a favor da legalização) e azul celeste (contra) seguirá sua batalha.
Como se diz em espanhol: “em águas revoltas, o benefício sempre é dos pescadores”.
Fonte: Desacato.info
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