Mulheres representam 53% das eleitoras em Florianópolis, mas coligações reservam só 31% às que buscam vagas na Câmara Municipal e apenas 1% acima do que a legislação determina desde 1997

Chayeni Cristiny Fraga Bittencourt é candidata a vereadora de Florianópolis pelo PHS. Nas redes sociais, porém, pede votos para outro candidato do mesmo partido. Célia Fleming tenta uma vaga na Câmara pelo PV, mas até 20 de setembro não figurava no álbum de figurinhas do seu partido no Facebook. Bruxinha (PMDB) desistiu de concorrer em plena campanha sob a alegação de falta de apoio da coligação que representa.

A menos de uma semana das eleições, a caça aos votos se intensifica nas ruas de Florianópolis, e entre os sete candidatos à prefeitura, três são mulheres. A proporção pode sugerir a ideia de equilíbrio entre os gêneros na política local, mas uma análise mais apurada mostra que não passa de impressão. Das 363 candidaturas à Câmara Municipal, apenas 31% são de mulheres, o que fica bem distante do peso delas como eleitoras (53% dos 316 mil eleitores). A disparidade poderia ser maior se a legislação não reservasse a elas 30% das inscrições.

Nestas eleições, as coligações da Capital levaram a lei ao pé da letra, mas levantamento do Farol Eleitoral mostra que há pouco apoio financeiro e político às candidatas e muitas entram na disputa com a certeza de serem coadjuvantes. A maioria é novata na política – todas as 12 candidatas do PEN, por exemplo, filiaram-se à legenda nos últimos 30 dias do prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral.Também há candidatas que não declararam um centavo sequer de doações ou gastos de campanha – a votação é no dia 2 de outubro.

 

Esta é mais uma reportagem do Farol Eleitoral, uma parceria deste site com o curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O projeto tem supervisão do professor Rogério Christofoletti e dos jornalistas Lúcio Lambranho, Evandro de Assis e Mariana da Rosa, e é um esforço jornalístico para acompanhar as eleições municipais de Florianópolis tendo como foco a transparência e a investigação com base em dados públicos.

Mulheres têm pouco apoio das coligações, segundo coordenadora do TRE

Todas as coligações e partidos que disputam as eleições 2016 mantiveram seus registros dentro da lei de cotas. “A legislação coloca como exigência o atendimento do percentual dos 30% no requerimento das candidaturas e não no preenchimento das vagas”, explica a coordenadora de eleições do TRE-SC, Patrícia Sardá Lisboa. O problema vem a seguir: a lista apresentada pode ser modificada ao longo da campanha, seja por morte, irregularidade de documentação, substituição do candidato por desejo do partido ou renúncia/desistência. A partir daí, o preenchimento das cotas deixa de ser fiscalizado. Até 20 de setembro, dos sete candidatos que desistiram oficialmente da campanha, cinco eram mulheres.

De acordo com a coordenadora de eleições, parte do problema está na própria legislação. “É natural que um partido privilegie um candidato ou outro numa campanha, por razões de voto e popularidade, por exemplo. É do jogo político. Mas o que se percebe é que as candidatas têm pouco apoio em geral das coligações pois essas não precisam do desempenho delas. Se os partidos precisassem eleger uma cota de mulheres, muito possivelmente apoiariam mais essas candidatas”, afirma Patrícia. Na prática, a indicação de 30% de concorrentes mulheres é só uma formalidade burocrática e pouco se reflete em resultados.

Em 2012, dos 220.003 votos computados no 1º turno das eleições em Florianópolis, apenas 20.345 foram para candidatas, menos de um décimo. Os candidatos do sexo masculino receberam em média 850 votos, quatro vezes mais que as candidatas (204). Das cem mulheres que disputaram uma vaga na Câmara Municipal quatro anos atrás, apenas seis atraíram votos acima da média (656).

Estudo do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) e do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) mostra que, dos quase 50 mil vereadores eleitos na eleição passada, 12% eram mulheres. Há quatro anos, havia 134 mil candidatas (31%) e 7,65 mil ocuparam vagas nos parlamentos municipais, o que indica uma taxa de sucesso de 5%. Entre os homens, o índice ultrapassa os 14,7%. Foram 286 mil candidatos e 42,1 mil eleitos.

As dificuldades para o campo feminino são muitas, afirma Clair Castilhos Coelho, militante feminista e ex-vereadora em Florianópolis. Para ela, começa com uma “uma espécie de desorganização”, que faz com que muitas candidatas cheguem às ruas sem estratégia ou condições de atrair votos suficientes para se eleger. Aspectos culturais também são determinantes. “Essa forma patriarcal, uma cultura brasileira que faz com que a política seja o lugar dos homens. Então, nós, mulheres, temos que avançar muito ainda, superar muita coisa”, completa.

As novas regras para as eleições deste ano – com menos tempo de campanha, poucos recursos e orientação voltada para os programas de TV – tornam o cenário mais difícil, não apenas para as candidatas. “Os partidos são obrigados a dar espaço para as mulheres porque tem a lei das cotas. Se não, não dariam. Partido é assim: quando pressente que vai ganhar, que está bem nas pesquisas, aí eles só colocam homens nos cargos que realmente interessam, e põem as mulheres para complementar as chapas. Um negócio muito sórdido”, dispara.

Capital só teve oito mulheres vereadoras

Com tudo isso, Florianópolis nunca teve tantas candidatas à prefeitura. Angela Amin (PP) já foi vereadora, deputada federal e prefeita. Angela Albino (PC do B) ocupou vagas na Câmara Municipal, Assembleia Legislativa e Câmara Federal, além de outros cargos administrativos. Gabriela Santetti (PSTU) não chega ser a uma veterana de eleições como suas rivais, mas concorreu a deputada federal em 2014. Três candidatas numa disputa de sete apontam para um crescimento das lideranças femininas locais. Em 2008, Angela Albino (PC do B) e Joaninha (PSTU) buscaram votos.

Quatro anos depois, o número de mulheres na disputa pela prefeitura se manteve com Angela Albino (PC do B) e Janaina Deitos (PPL). Nos dois pleitos, nenhuma delas sequer conseguiu ir para o segundo turno. Desde 1889, mais de 150 pessoas ocuparam o posto de maior autoridade da cidade e apenas uma delas era mulher, Angela Amin, que governou a capital por oito anos em dois mandatos eleitos (1997-2005). Em âmbito nacional, a lei das cotas parece estar contribuindo para o aumento de mulheres eleitas para as prefeituras. Em 2004, 404 venceram as eleições (7,3% do total de prefeitos), em 2008, 504 (9,07%), e há quatro anos 665 (12%).

No caso das câmaras municipais, a evolução é mais lenta, segundo os dados do site Gênero e Número – Narrativas pela equidade:

“Nestas eleições, as mulheres são apenas 32,9% das candidatas aos postos de vereadora. Isso representa pouco mais de 152 mil mulheres diante de mais de 309 mil homens inscritos. O cenário difere pouco de 2012, quando elas eram 32,70% entre os que pleiteavam vagas em câmaras municipais. Se a paridade de gênero se mostra uma possibilidade distante já nas candidaturas, o número de eleitos é um banho de água fria para quem espera enxergar uma maior diversidade nos parlamentos. Em 2012, somente 13,3% dos eleitos para as câmaras eram mulheres. Quatro anos antes, em 2008, as eleitas somaram 12,5%.”

Os dados demonstram que desde 1997, quando os partidos foram obrigados a ter 30% de mulheres como candidatas, o esforço tem sido apenas para cumprir o que determina a lei. Embora Florianópolis tenha feito história ao eleger a primeira deputada estadual do país – Antonieta de Barros, em 1930 -, a presença feminina no parlamento municipal é bastante tímida. Em 290 anos de história, apenas oito mulheres subiram à tribuna para discursar como vereadoras: Olga Brasil da Luz (PSD, 1960-1963); Clair Castilhos Coelho (PMDB, 1983-1988); Jalila El Achkar (PV, 1989-1992); Angela Amin (PDS, 1989-1990); Zuleika Mussi Lenzi (PMDB, 1993-1996); Liacarmen Klein (PC do B, 1997-2000); Angela Albino (PC do B, 2004-2008); Janete Teixeira (PC do B, 2010).

Fonte: Farol Reportagem

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